O ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, acumula actualmente as funções de Estado com o exercício de cargos privados de gestão empresarial em Macau, uma conduta que viola de modo flagrante a Constituição da República de Angola.
Por Rafael Marques de Morais (*)
Documentos obtidos por Maka Angola revelam que, a 26 de Janeiro passado, o general Kopelipa e a sua esposa, Luísa de Fátima Geovetty, constituíram em Macau, para prestação de serviços de consultoria, a empresa Baía Consulting Limited.
O casal de sócios, cada um detendo quotas iguais, assumiu também as funções de administração da empresa, cuja actividade teve início no mesmo dia. Para a celebração do acto de constituição da empresa, o general e a esposa emitiram uma procuração em nome de um advogado macaense, Barry Shu Mun Cheong. Essa procuração foi reconhecida a 6 de Janeiro de 2016 pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, através da primeira ajudante do Quarto Cartório Notarial de Luanda, Ana Paula Gomes Germano.
De acordo com os estatutos da referida sociedade comercial, os administradores – Kopelipa e sua esposa – têm mandatos de duração ilimitada.
Como se sabe, Macau é a capital mundial de jogos de azar.
Devido à crescente pressão ocidental sobre os paraísos fiscais, nos últimos tempos têm vindo a registar-se movimentos financeiros significativos, que transferem dinheiro de esconderijos nas Caraíbas, na Suíça e noutros países para Macau e outros destinos na Ásia.
Fontes do Maka Angola referem que os “serviços de consultoria” fornecidos pelo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do PR passam em larga medida pela criação de empresas de fachada envolvidas no negócio dos casinos para branqueamento de capitais.
A sede da Baía Consulting Limited (e de outros negócios do general que serão aqui revelados oportunamente) está situada na Avenida da Praia Grande, n.º 763, Edifício Lun Pong, 7.º andar A. Este imóvel é propriedade de Barry Cheong, procurador do general e da esposa, e situa-se junto do distrito dos casinos, na península de Macau onde se concentram os grandes hotéis-casinos, como Grand Lisboa, MGM Macau e Grand Emperor.
O general Kopelipa beneficia de uma relação privilegiada com o governo chinês e com grupos empresariais deste país, resultante do período em que dirigia o Gabinete de Reconstrução Nacional e controlava o crédito e o envolvimento chinês na reabilitação de várias infra-estruturas do país. Nessa mesma altura, o petróleo, que tem sido a moeda de troca com os chineses, e os cofres da Sonangol estavam à disposição arbitrária do triunvirato presidencial, que incluía, além de Kopelipa, Manuel Vicente e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, testa-de-ferro do presidente José Eduardo dos Santos. Os três amealharam fortunas colossais que agora se vêm obrigados a proteger, colocando-as em lugares aparentemente mais seguros.
Se o vice-presidente Manuel Vicente ocupa a dianteira enquanto homem mais rico de Angola, o general-bilionário segue-lhe as pegadas, logo atrás da família presidencial e a par de alguns ex-administradores da Sonangol.
É recorrente, em raciocínio demagógico, justificar-se a corrupção institucionalizada com um dito popular segundo o qual “o cabrito come onde está amarrado”. Segundo a mesma lógica, vale também dizer que a Constituição, o documento sagrado e reitor do Estado angolano, é para os cabritos instalados no poder comerem. Afinal, os governantes corruptos amarraram-se à Constituição para se autolegitimarem.
Esta consideração vem a propósito do facto de Kopelipa assumir ao mesmo tempo funções de Estado e funções privadas em Macau.
Quem estipula essa duplicidade de funções como inconstitucional é a própria Procuradoria-Geral da República, cuja lealdade política ao regime atropela, no entanto, o seu zelo pela legalidade.
Em 2013, a PGR deu por concluído o Inquérito Preliminar n.º 06 – A/2012, referente a uma participação nossa contra o triunvirato presidencial e suas negociatas. Na altura, a PGR mentiu escandalosamente nas suas conclusões, negando o envolvimento dos generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento e de Manuel Vicente na estrutura accionista da Biocom. Poucos meses mais tarde, o general Dino assumiu-se publicamente como sócio da Biocom, desmentindo a PGR e pondo a nu o compromisso.
Todavia, a PGR verificou que, até 2010, o general Kopelipa acumulava funções oficiais com a de membro do Conselho de Administração da empresa portuguesa World Wide Capital SGPS, S.A. Decidiu contudo relevar o papel do general porque, segundo o seu argumento, este o desempenhou apenas “na qualidade de vogal (…) mas nunca exerceu funções executivas”.
Segundo o relatório do vice-procurador-geral Domingos Salvador André Baxe, “o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior é – dos denunciados – o único que integrou a administração da sociedade WWC, S.A. mas de facto nunca exerceu funções executivas, mas já não integra, tendo renunciado ao cargo com a entrada em vigor da Constituição da República de Angola”.
“O general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior renunciou ao cargo de administrador, pois a actual Constituição da República de Angola, no seu art. 138.º, n.º 2) al. b), veio consagrar a incompatibilidade do cargo de Ministro de Estado com o exercício de funções de administração, gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que prossigam fins de natureza económica”.
Desta maneira, o argumento da entrada em vigor, no ano de 2010, da actual Constituição serviu para a PGR ilibar o general Kopelipa de quaisquer actos de inconstitucionalidade resultantes da acumulação de funções.
Então, aqui vai a pergunta: como pode o general criar em 2016 uma empresa em Macau e constituir-se administrador da mesma, com total impunidade? Em 2013, o general Kopelipa recebeu uma cópia da decisão de arquivamento do Inquérito Preliminar n.º 06 – A/2012, confirmada pelo procurador-geral da República, representado pelo seu adjunto Henrique Santos.
É caso para dizer que a Constituição também é “comida” para o general Kopelipa e para outras figuras abençoadas pela impunidade que o presidente José Eduardo dos Santos e o sistema judicial por si controlado conferem aos seus protegidos. Afinal, o procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, também viola a Constituição e é corrupto, tendo sido recentemente investigado pelo Maka Angola.
E, como a corrupção é a instituição que governa Angola, a sociedade luta mais para fazer parte do esquema do que se presta a pensar em formas de combater colectivamente essa praga, esse crime e a escória que amordaça o desenvolvimento humano do país.
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8